Numa casa distante de qualquer
outro edifício do município de Alta Floresta, Mato Grosso, Itaquiel montou seu
escritório. Poucos habitantes da região sabiam de sua existência e, mesmo
esses, apenas por acaso. O carteiro o odiava pelos quilômetros que precisava
percorrer para entregar-lhe as contas. O dono do mercadinho no centro
reconhecia de vista aquele estranho que vinha todo mês comprar um carrinho de
víveres básicos. Enfim, Itaquiel, além do nome e da moradia, suportava o
anonimato.
Sua família
há muito o tinha esquecido. Os pais morreram pouco depois de Itá – o apelido
entre eles era Itá – completar os estudos na capital, onde não fizera amizade
com ninguém. Segundo alguns velhos conhecidos, o casal morreu do tédio que era
morar naquele fim de mundo. Ainda mais no Mato Grosso. Itá nunca chegou a
conhecer esses conhecidos.
Depois de estabelecer residência
na antiga casa dos pais, Itaquiel comprou um computador velho e abriu um
negócio pela internet, por onde se comunicava com o mundo. Nunca prosperou, ganhava
apenas o suficiente para pagar as poucas contas e manter-se razoavelmente bem
alimentado. Não via televisão nem ouvia música, nunca tinha pisado num cinema
e, apenas uma vez, beijara uma garota. Embora sonhasse com essa garota todos os
dias, ela não fazia ideia do ocorrido.
Um dia, sentado em sua velha mesa
de madeira e olhando para o monitor antigo e gasto, Itaquiel teve um
sobressalto. Enquanto fumava seu cigarro de palha e pensava no que faria para
gastar as longas horas até poder dormir, algo estranho aconteceu. Ali, no seu
escritório, com um ventilador de teto que não conseguia movimentar nem as
moscas pousadas nas pás, que dirá o ar, algo incrivelmente estranho aconteceu. O
cigarro escorregou de sua mão, chamuscando a folha de caderno velha onde Itá
rabiscara o rosto da garota de sua vida. Atônito, Itaquiel olhou para o antigo
telefone que ficava jogado num canto, daqueles com uma rodinha em cima que você
precisa encaixar o dedo pra discar. E aconteceu de novo.
O telefone estava tocando.
Aturdido, o homem tentou se lembrar o que era aquilo e como estava fazendo
aquele barulho ensurdecedor. Vagamente, da memória, veio a imagem do pai com a
parte de cima do objeto na cabeça, falando com alguém que não estava ali. A
palavra “telefone” surgiu em sua mente, ainda obscura e hesitante, como se
estivesse coberta de teias de aranha. A palavra seguinte foi “atenda”.
Nervoso, Itaquiel estendeu a mão
e segurou o telefone, esperando. Alguém estava ligando pra ele e ele não sabia
o que fazer. Por que, meu Deus, alguém iria ter alguma coisa a dizer-lhe? Seria
sua garota? Seria um colega antigo, perdido nos tempos da faculdade? Seria
engano? Mesmo que fosse, Itá não se importaria. Naquele momento, alguém estaria
prestes a lhe dirigir a palavra e ele, enfim, teria provas concretas de que não
era apenas uma sombra de existência no mundo. Ele existia e ali estava a prova.
Seu telefone tocava. Era hora de descobrir um mundo onde alguém gostaria lhe falar... qualquer coisa!
Lentamente, puxou o telefone do
gancho e aproximou-o da orelha. A voz, há tanto tempo sem uso, demorou para
encontrar o caminho da boca.
- Alô?
E, lá do fundo da linha, depois
de uma pausa que quase fez o altaflorestense morrer, uma voz respondeu:
- Porra, Itaquiel!!!
E desligou.
Pooorrraa, Itaquieeell!!! hahaha
ResponderExcluirMuito bom!!!