sexta-feira, 14 de setembro de 2012

PASTEL


O pior pastel que existe é o de queijo minas. Não to falando do meu gosto pessoal; é uma constatação, mesmo, baseada no que importa e no que não importa quando o assunto é “pastel”. Aliás, o meu pastel preferido é o de queijo, o que multiplica a força da minha afirmação. O queijo minas não é apenas um intruso conceitual, que não tem calorias nem oferece riscos à saúde num alimento obviamente feito para matar. É também uma afronta estética, por sua constante aversão ao derretimento natural – e providencial, diga-se de passagem – ao ser frito. Pra completar, tem uma natureza incompatível com o humor de qualquer um que se disponha a devorar o mais nobre dos alimentos de feira.
Comecemos pelas pontas. O pastel é uma arte culinária e recreativa que tem, entre outras, a função de nos transportar metaforicamente aos maravilhosos anos da infância. Nenhum pastel é tão gostoso quanto aquele devorado aos sete, oito, nove anos de idade. Não apenas pelo paladar algumas vezes mais apurado que temos antes de nos rendermos aos excessos – de sal, pimenta, cigarro, etc. – que destroem as papilas gustativas. O próprio ato de morder o pastel e afastá-lo da boca, numa vã tentativa de partir o comprido fio de queijo que se estica cada vez mais é a melhor metáfora para os prazeres – e liberdades – que apenas uma criança possui.
Não obstante, existe ainda a heresia “inexagerável” – com todo o respeito aos neologistas de internet, não sei de quem copiei essa - que é uma fritura de massa pesada recheada com o dito queijo. O queijo mais branco, sem sal, sem gosto e sem criatividade da gastronomia mundial. Que me desculpem os nacionalistas, mas ninguém realmente gosta dessa borracha feita de leite. É o tipo de coisa que se coloca em torrada pra não comê-la pura durante o mais parco dos regimes. E é facilmente substituível por ricota, e nem me falem de ricota.
Nenhuma fritura que valha a pena se preocupa com valor calórico do recheio. Alguém já imaginou o que seria da coxinha se o catupiry que por vezes a acompanha fosse substituído por essa desgraça insossa? Pois é. Eu me considero um conhecedor razoável da pastelaria brasileira, herança dos anos vividos nas melhores feiras paulistanas. Pasteleiros chineses e japoneses importados da Liberdade, coisa fina. Nenhum me decepcionou, da mozzarella ao queijo prato. Nenhum deles me fez dar uma mordida que arranca todo o recheio de dentro da massa de uma só vez.
A minha proposta é acabarmos com o queijo minas. Assim, boicote. Eu sei que isso pode causar uma crise econômica no país, mas é um preço justo a se pagar por todos os canalhas que nos venderam felicidade e entregaram frustração. A culpa é da fonte. Acabando com essa praga e extinguindo essa variação ridícula, seremos mais felizes. Vamos deixá-los apodrecer nas prateleiras! Até porque, o único queijo minas realmente gostoso é o curado. Só fica bom estragando.

domingo, 9 de setembro de 2012

PLOFT


professor entrou na sala e olhou para os alunos. Alegres e agitados, todos se calaram no instante em que ele estacou à porta. Satisfeito, caminhou até a mesa, separou alguns papéis, fez um gesto amplo para pegar um giz do seu estojo, segurou o apagador com a outra mão e caminhou até o quadro. Parou por um momento, respirou fundo, piscou lentamente e começou a escrever.

Um grande título, “A Arte Contemporânea e Suas Perspectivas Teóricas”, encheu a parte superior do quatro. Ele escreveu algumas linhas sobre o tema, apoiadas por referências bibliográficas, jogou alguns nomes de autores para os alunos estudarem, desenhou um pequeno gráfico e, enfim, pousou o giz. Virou-se e constatou, com uma pequena explosão de contentamento jorrando no peito, que ninguém estava muito feliz por estar ali. Alguns pareciam realmente confusos.

Com um sorriso no canto da boca, sentou-se à mesa e esperou que todos copiassem, em silêncio. Observava cada um com o que julgou ser uma expressão de vívido interesse. Quando o último – e aparentemente mais imbecil – aluno pousou a caneta e o nível das conversas aumentou sensivelmente, o professore levantou-se. Caminhou despretensiosamente até a primeira fileira de alunos, olhou pela janela como se fosse dizer algo que lhe parecia óbvio como o brilho da lua, abriu a boca e falou:

- Quack!

Silêncio. Pego de surpresa, ele levou a mão à boca. De olhos arregalados, viu que uma aluna de intercâmbio levantava as sobrancelhas enquanto o imbecil do fundo da sala sorria como se o natal tivesse chegado em julho. A hippie irritante e meio arrogante sentada à primeira fileira fechou os olhos como se tivesse compreendido o que ele acabara de dizer. Recompondo-se, o professor tentou falar mais uma vez.

- Quack! Au-au! Oooooinc!!!

O riso só não foi generalizado porque a hippie olhou feio para os colegas. Um burburinho recheou a sala, alguns começaram a copiar o que ele dizia, o imbecil lá no fundo se dobrava de rir. A hippie se levantou.

- Desculpe os meus colegas, professor. Eles não tem sensibilidade artística.

- Miaaaau?! Quack-quack!

Mais risos. Uma discussão entre a hippie, que gritava com o imbecil, o imbecil, que a chamava de hippie, e um aluno de Direito, que argumentava que “ninguém me disse que era uma aula prática!”, surgiu. Indignada, a aluna de intercâmbio saiu da sala com o programa na mão, gritando que não queria estar ali quando chegassem ao módulo 3, “A Dança Contemporânea e o Brasil”. A gritaria foi aumentando até que o professor subiu na própria mesa, começou a bater as asas e gritar:

- Có-có-có! Quack! Uuuuu!!!

A hippie e suas amigas explodiram em aplausos. O imbecil saiu da sala sob vaias e acusações de “mente rasa” e “alienado”. Alguns alunos seguiram-no. O professor viu o brilho nos olhos da hippie, que agora incentivava os outros a subirem nas cadeiras para conversar com o professor. O som de bichos tomou conta da sala.

Atirando-se da janela, as últimas palavras que ele pretendia gritar, “porra, eu só fiquei maluco!”, saíram “Riiiiinch, poft, poft!”.

E ele virou referência.