terça-feira, 20 de março de 2012

CONVERSINHAS


Num canto da festa, o casalzinho discutia.
- É isso e pronto, cacete.
- Mas não faz sentido.
- Por que?
- Porque tem que ter um motivo, ué.
- Ah, a senhora agora é a rainha das...
- Das o que?
- Sei lá! Não tem que ter um motivo!
- Lógico que tem.
- Ah, TEM QUE TER.
- É, ué. Se você fala assim, desse jeito, que...
- Olha, não tem motivo nenhum, ok? É isso e pronto.
- Se não tem motivo, você é um...
- Sou “um” nada, tá bom? Você que é “uma”.
- Uma o que?
- Sei lá. Eu só não acho que esse bombardeio de perguntas se justifique.
- Eu só quero te entender, meu querido.
- Não me chama assim!
Ela olhou pro alto, perdendo a paciência. Ele era muito criança.
Ele olhou pro alto, também, procurando algum bom motivo escrito no teto. Não viu nada.
- Olha só...
- Sem essa cara de saco cheio.
- Tá bom. Olha só... Sem um motivo realmente bom, fica incompreensível. Como você quer que eu...
- Eu não quero que você nada. Eu só acho que você...
- Acha? Ah, mas não tem como você dizer uma coisa dessas por achismo, meu bem.
- Ué, a vida é minha! Eu só não...
- Você só não consegue pensar num bom motivo. E nem eu, francamente.
Ele fechou os olhos e baixou a cabeça, apoiando-a nos punhos.
Ela sorriu. Adorava ganhar uma discussão complicada como aquela.
- Tá, vamos por partes. Você quer um motivo?
- To esperando.
- Eu sou um retardado.
Aquilo foi inesperado.
- Oi?
- Um retardado. Não tenho nenhuma desculpa melhor que essa. Sou um imbecil, um retardado, um egoísta, um...
- Um cretino?
- Um cretino. E eu só falei aquilo porque...
- Tá bom, para.
- Paro?
- Para.
- Paro.
- É, para. Escuta só...
- Ahn...
- Fala de novo!
E ficaram nessa a noite toda.

segunda-feira, 19 de março de 2012

CAMINHO


            Ele se sentou no ônibus e olhou pra trás. Viu-a no mesmo lugar de sempre, olhando pela janela como sempre, nem reparando nele. Como sempre. Desde que se entendia por gente, pegava o mesmo ônibus que aquela menina. Bom, na verdade isso só acontecia há um ano e pouco, mas, diabos!, parecia uma eternidade. Ele entrava, olhava pra ela por um tempo, torcia pra que ela olhasse e nada. Só a janela.
            Mais uma vez ela estava longe. Nunca se sentaram juntos. Claro que havia uma parcela de culpa da parte dele. Mas era estranho pegar um ônibus praticamente vazio e sentar justo ao lado de uma menina – convenhamos – linda. Alguém poderia pensar que era assalto ou – pior – que ele era um depravado. E não tinha jeito, ele sempre pegava o ônibus quase vazio, com ela do meio pro fim do carro. Triste. Só restava olhar. E ele olhava.
            A verdade é que, depois de um tempo, aquilo passou a ser a melhor parte do seu dia. Ele se sentava e olhava a menina olhar a janela. De vez em quando, quando falava com alguém no celular ou trocava mensagens com – seu ciúme ridículo sabia – algum retardado que não a merecia, ela dava um sorriso. Daqueles de criança. E ele olhava.
            Um dia ele até tentou puxar conversa. Esperou um tempo de pé o ônibus sair do ponto e, com o solavanco, fingiu quase cair. A menina o olhou e ele soltou um “opa!” animado, mas foi ignorado. Ela deu um sorrisinho pra baixo e escreveu alguma coisa no celular. Tinha virado motivo de piada. Quase caíra por um sorriso e ganhou deboche. Ridículo.
            Uma vez, resolveu tentar a sorte. Sentou-se mais perto da menina, viu que ela fazia palavras cruzadas e, todo bobo, tirou um jornal da mochila. Abriu suas cruzadinhas, resolveu algumas palavras, procurou uma dica difícil e perguntou, sem nem dar tempo pra vergonha chegar à boca:
-       Desajeitado, dez letras. Sabe?
Ela nem levantou os olhos.
-       Desastrado.
Ele pensou um pouco e olhou pro papel. Desastrado cabia certinho.
-       Não. Tem um “n” no meio.
Ela levantou os olhos. O coração dele quase fez seus próprios olhos soltarem pela janela dela. A menina colocou a caneta no canto da boca, cerrou as pálpebras e sorriu feliz, de um jeito que fez o menino se derreter todo:
-       Estabanado.
Sem palavras, ele não fez nada enquanto ela se levantava e descia no ponto de sempre. Só olhou, bobo. E completamente apaixonado.
As meninas não entendem nada...

terça-feira, 13 de março de 2012

METADE


            O casal se sentou na mesinha do bar e pediu uma garrafa de água. Fossem outros tempos, pediriam algo mais interessante. Hoje não. Como qualquer um poderia ver nos braços cruzados dela e nos olhos cansados dele, a água tinha lugar naquela conversa. Ele abriu a garrafa, serviu-se, fechou a tampa com toda força que conseguiu e colocou a garrafa de novo na mesa. Ela riu da infantilidade dele, tentou abrir a garrafa e, não conseguindo, começou a engolir saliva pra matar a sede. O orgulho dos dois estava em jogo naquele dia e ela não queria perder.
            Os dois já tinham separado tudo. Livros, cd’s, televisões, tudo. Não tinham crianças – um bênção, pensando bem -, o que facilitou muito o processo como um todo. Faltava agora dividir a culpa. E nenhum dos dois queria sair perdendo. Por isso, depois de uma discussão acalorada no telefone – a cobrar dela pra ele, que ela não era boba -, estavam os dois ali, pra terminar de vez. E com a culpa ficando só pra um.
            O problema é que deu tudo errado desde o início. Ela queria, ele não. Depois ele queria, ela não. Depois os dois queriam, mas quando um se dedicava, o outro não podia. E, por ironia do destino, quando nenhum dos dois queria estava tudo perfeito pra acontecer e eles se desencontraram, enfim, de si mesmos. O que pode até parecer muito bonito, mas não é. O ponto é que os dois estavam tão de saco cheio dessa história que resolveram fazer funcionar.
            E, é claro, não funcionou. Primeiro porque os dois nunca chegaram a nenhum acordo quanto ao que tiveram. Ele, antes dela, voltou a se apaixonar. Ela, depois do re-desapaixonamento dele, se reapaixonou e ainda falou isso pra ele. Ele gostava dela e fez de tudo pra voltar a se apaixonar, mas aí já não era a mesma coisa. Quando ele queria ir visitar a família, ela tinha uma viagem. Quando ela queria sair com ele, ele tinha que terminar um trabalho.
            Agora estavam os dois ali, juntos. Claro que ele teve algum relatório de última hora pra entregar e chegou atrasado, mas ela já estava acostumada. O desencontro dos dois era total e involuntário. Os dois nasceram no mesmo dia, no mesmo hospital. Ele de dia, ela de noite. Ficaram em berçários diferentes. A primeira escola dos dois seria a mesma se a mãe dela não tivesse se esquecido da reunião com a diretora. Quando ele trocou de colégio, mudou-se para o dela no dia em que ela recebeu a notícia da transferência do pai para Madrid – cidade que a família dele visitou quatro vezes, sempre nas mesmas datas em que ela voltava ao Rio pra ver os avós.
            Se conheceram na fila do banco. Ele saiu de casa cedo, esperando enfrentar algum engarrafamento no caminho, mas se enganou. Chegou meia hora antes do esperado e lá estava ela, na fila do banco e atrasada pra um encontro. Conversaram enquanto a fila andava – ele fascinado, ela nervosa. No fim, o encontro dela desmarcou e os dois acharam que o acaso era o responsável por sua união. E era mesmo.
            E, agora, tudo tinha acabado. E, é claro, acabou antes pra um. Ela chegou em casa e viu que ele, mais uma vez, ficaria preso no trabalho. Já cansada e de TPM, ligou pra brigar. Ele tinha esquecido o celular no carro mais uma vez e, como era impossível encontra-lo, ela terminou por caixa postal mesmo. Pro azar dela, o carro foi roubado logo depois. Ele foi até a delegacia e perdeu a noite toda cuidando do roubo. Quando chegou em casa, querendo terminar depois de pensar sobre como tudo na vida é volúvel e passageiro, não a encontrou. Ligou pro celular dela e, quando ela atendeu, já berrando, os dois gritaram ao mesmo tempo que estava acabado.
            Agora, na mesa do bar, os dois se olhavam e mediam a força um do outro. Claramente havia algo no ar, uma tensão incômoda. E, quando ele resolveu dizer que aquilo tudo era uma besteira e que eles deviam tentar de novo, só conseguiu falar:
-       Eu te amo.
            Mas um caminhão subiu na calçada do outro lado da rua nesse exato momento, atropelando alguns pedestres. E ela, repórter que era, saiu correndo, já sacando o caderninho e a caneta da bolsa.