O casal se sentou na mesinha do bar e pediu uma garrafa de água. Fossem outros tempos, pediriam algo mais interessante. Hoje não. Como qualquer um poderia ver nos braços cruzados dela e nos olhos cansados dele, a água tinha lugar naquela conversa. Ele abriu a garrafa, serviu-se, fechou a tampa com toda força que conseguiu e colocou a garrafa de novo na mesa. Ela riu da infantilidade dele, tentou abrir a garrafa e, não conseguindo, começou a engolir saliva pra matar a sede. O orgulho dos dois estava em jogo naquele dia e ela não queria perder.
Os dois já tinham separado tudo. Livros, cd’s, televisões, tudo. Não tinham crianças – um bênção, pensando bem -, o que facilitou muito o processo como um todo. Faltava agora dividir a culpa. E nenhum dos dois queria sair perdendo. Por isso, depois de uma discussão acalorada no telefone – a cobrar dela pra ele, que ela não era boba -, estavam os dois ali, pra terminar de vez. E com a culpa ficando só pra um.
O problema é que deu tudo errado desde o início. Ela queria, ele não. Depois ele queria, ela não. Depois os dois queriam, mas quando um se dedicava, o outro não podia. E, por ironia do destino, quando nenhum dos dois queria estava tudo perfeito pra acontecer e eles se desencontraram, enfim, de si mesmos. O que pode até parecer muito bonito, mas não é. O ponto é que os dois estavam tão de saco cheio dessa história que resolveram fazer funcionar.
E, é claro, não funcionou. Primeiro porque os dois nunca chegaram a nenhum acordo quanto ao que tiveram. Ele, antes dela, voltou a se apaixonar. Ela, depois do re-desapaixonamento dele, se reapaixonou e ainda falou isso pra ele. Ele gostava dela e fez de tudo pra voltar a se apaixonar, mas aí já não era a mesma coisa. Quando ele queria ir visitar a família, ela tinha uma viagem. Quando ela queria sair com ele, ele tinha que terminar um trabalho.
Agora estavam os dois ali, juntos. Claro que ele teve algum relatório de última hora pra entregar e chegou atrasado, mas ela já estava acostumada. O desencontro dos dois era total e involuntário. Os dois nasceram no mesmo dia, no mesmo hospital. Ele de dia, ela de noite. Ficaram em berçários diferentes. A primeira escola dos dois seria a mesma se a mãe dela não tivesse se esquecido da reunião com a diretora. Quando ele trocou de colégio, mudou-se para o dela no dia em que ela recebeu a notícia da transferência do pai para Madrid – cidade que a família dele visitou quatro vezes, sempre nas mesmas datas em que ela voltava ao Rio pra ver os avós.
Se conheceram na fila do banco. Ele saiu de casa cedo, esperando enfrentar algum engarrafamento no caminho, mas se enganou. Chegou meia hora antes do esperado e lá estava ela, na fila do banco e atrasada pra um encontro. Conversaram enquanto a fila andava – ele fascinado, ela nervosa. No fim, o encontro dela desmarcou e os dois acharam que o acaso era o responsável por sua união. E era mesmo.
E, agora, tudo tinha acabado. E, é claro, acabou antes pra um. Ela chegou em casa e viu que ele, mais uma vez, ficaria preso no trabalho. Já cansada e de TPM, ligou pra brigar. Ele tinha esquecido o celular no carro mais uma vez e, como era impossível encontra-lo, ela terminou por caixa postal mesmo. Pro azar dela, o carro foi roubado logo depois. Ele foi até a delegacia e perdeu a noite toda cuidando do roubo. Quando chegou em casa, querendo terminar depois de pensar sobre como tudo na vida é volúvel e passageiro, não a encontrou. Ligou pro celular dela e, quando ela atendeu, já berrando, os dois gritaram ao mesmo tempo que estava acabado.
Agora, na mesa do bar, os dois se olhavam e mediam a força um do outro. Claramente havia algo no ar, uma tensão incômoda. E, quando ele resolveu dizer que aquilo tudo era uma besteira e que eles deviam tentar de novo, só conseguiu falar:
- Eu te amo.
Mas um caminhão subiu na calçada do outro lado da rua nesse exato momento, atropelando alguns pedestres. E ela, repórter que era, saiu correndo, já sacando o caderninho e a caneta da bolsa.