Ela se sentou na sala de espera do dentista, pegou uma revista dessas de famosos, edição especial do Carnaval 2003, começou a folhear as páginas e reparou nele. Olhou de rabo-de-olho por alguns segundos e estranhou um rapaz tão bem arrumado estar ali, no dentista, numa sexta-feira de manhã. Ele não parecia ter cáries – mas, a bem da verdade, estava de boca fechada. Só quem vai ao dentista de manhã, ainda mais numa sexta, é quem sofre com as dores de um canal aberto. Ou então ele talvez fosse um daqueles moderninhos que trabalham mais pro fim do dia. Tipo um ator ou coisa parecida.
Ele percebeu quando ela entrou, apressada, e foi falar com a recepcionista. Pela pressa, devia ter descoberto um novo buraco nos dentes. Sim, novo, pois pelo jeito essa não era a primeira vez que a moça ia ao dentista ali. Até chamou a secretária pelo nome! Ou então era apenas hipocondríaca e queria saber se aquela afta era ou não um câncer de boca. Ele espiou pela borda de cima da revista que trazia fotos exclusivas do desastre do World Trade Center. Surpreendeu-se com a garota reparando nele. E justo num dentista! Não era todo mundo que reparava nele, não estava preparado praquilo.
Ela pensou que a vida é assim mesmo, às vezes nós damos atenção a quem menos esperamos. Pode acontecer até assim, numa sala de espera do dentista. O outro parecia ter notado sua indiscrição. Pra parecer menos indiscreta, ela sorriu, mostrando que tinha todos os dentes. Pelos menos os da frente estavam em excelentes condições, O sorriso era um convite para que ele fizesse o mesmo. Não sabia qual era a dele mas, se tudo desse certo, eles poderiam conversar melhor. Isso, é claro, se houvesse uma compatibilidade, no mínimo, dentária.
Ele achou que aquilo era demais. Você olha, ela olha e pronto, as mulheres já acham que aquilo pode virar uma bola de neve que resultará em casamento, filhos e morte solitária e lenta. Era só um encontro casual no dentista, não havia motivo pra acelerar as coisas e, sinceramente, talvez ele se sentisse mais receptivo DEPOIS do clareamento que ela, claramente, estava ali pra fazer.
Ela fechou a cara e discordou enfaticamente do ponto de vista dele. Sim, era só um encontro casual, mas a falta de romantismo dele era uma prova de que nenhum homem nesse mundo deve ser levado a sério demais. Não custa nada demonstrar um pouco de carinho, mesmo nessas horas íntimas. Ele era um grosso.
Ele bufou e olhou pra cima, já de saco cheio dos ataques dela, sempre disposta a fazer um escândalo por qualquer coisinha que ele fizesse.
Ela virou a cara e decidiu não dirigir mais a palavra a ele.
Ele foi chamado pelo dentista e os dois nunca mais se falaram.
É, eu to lendo de novo.
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